A Questão feminina
Simone de Beauvoir: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”
Durante muitos anos eu acreditei que o termo A Questão Social, que é muito utilizado no Serviço Social (curso em que me formei) conseguia de forma ampla englobar muitas das questões singulares presentes na sociedade.
Eu acreditava que um termo com tantas nuances poderia definir vulnerabilidades, minorias, subcategorizações, dentre outros parâmetros que a sociedade nos impõe.
Foi só quando percebi o quanto a sociedade modifica seus padrões sucessivamente e constantemente (não é estática) que percebi o quanto esse pequeno termo ainda que com boa intenção não poderia definir inúmeras mazelas. Assim fiz a descoberta de tentar me aproximar das ínumeras expressões dessa questão social de forma mais pronunciada.
Uma dessas expressões diz respeito as nossas "questões femininas", de modo que o nome desse post não poderia ser outro além de: A Questão feminina.
A Questão feminina é um termo proposto por mim no intuito de debatermos a respeito das diversas implicações inerentes ao gênero feminino.
Não é exatamente sobre como nos definimos biológicamente ou por expressões sociais, é como nos sentimos e nos comportamos, de modo que nesse texto falo para todos que se definem como mulher, para além da questão biológica de gênero.
Talvez eu devesse começar narrando toda a trajetória das mulheres desde que iniciamos nossas civilizações e sobre o material que temos a respeito dessas civilizações, mas creio que nesta altura, todos sabemos nossa trajetória e os marcos civilizatórios conquistados ao longo dos anos.
Mas caso você nunca tenha parado para refletir sobre o que é ser mulher e suas implicações, aqui vai um breve relato de como nós mulheres somos tratadas ao longo de dois milênios.
E no início, segundo a perspectiva Judaico-cristã, fomos feitas da costela de um homem, criadas em segundo plano, em segundo lugar, de uma parte de alguém e não da totalidade de alguém (nós mesmas).
E no início também fomos vislumbradas como sujas por termos períodos menstruais, e também como bruxas por conhecermos e utilizarmos as plantas como medicamentos para azia, cólicas, dores e etc...
E no início também fomos consideradas inábeis para leitura e estudos e não podíamos ler, nem estudar e nem votar.
Nosso papel era centrado na construção de um lar que resplandecesse os valores da sociedade, geralmente de cunho religioso.
Algum problema nisso? Não, desde que seja uma escolha e não uma imposição.
Depois fomos conduzidas a sermos mãos de obra barata, assim como crianças e idosos na Revolução Industrial, no qual do campo passamos para os centros da cidade. Os valores foram sendo modificados e nós mulheres tivemos que nos moldar a estes novos modelos.
Na atualidade somos vulnerabilizadas porque adquirimos conquistas ou mesmo por sermos mulheres.
Não temos poder sobre nosso corpo ou nossa voz. Porque embora possamos nos expressar, nunca somos de fato ouvidas. Somos negligenciadas. E se queremos ser ouvidas de fato, o esforço quase sempre é descomunal. É exaustivo.
Frequentemente a maioria de nós tem duplas ou triplas jornadas. Conquistamos espaço no trabalho, mas não ganhamos o mesmo que os homens. Queremos filhos e temos, mas frequentemente apenas nós zelamos por eles. Às vezes não queremos, mas a sociedade é feroz em recriminar aquelas que optam por não casar, não ter filhos e blá blá blá...
Geralmente não podemos falar sobre alguns assuntos tidos como tabus porque não é "feminino". Olha a boca, dizem as outras mulheres. Que boca suja! Menina não deve falar palavrão! Menina não deve... Menina não pode... Menina e blá blá blá....
Somos constantemente cerceadas de nossos mais primitivos desejos de nos expressar, somos podadas, sim, como plantas. Não pode ficar tão magra. Nem tão gorda. Nem tão alta. Nem tão baixa. Não muito branca e nem tanto bronzeada. Cabelo curto não pode. É ousado demais. Unhas e batom vermelho? Só após uma certa idade. Não é de bom tom.
Nos narram contos de fadas e de princesas e esperam que nós nos comportemos da mesmíssima forma. Mas o príncipe? Tudo bem não ser exatamente como um príncipe não é mesmo? O que importa é que você conseguiu alguém e não ficou sozinha.
Algumas de nós sofremos tanto com as pressões sociais, familiares e religiosas que permanecemos mesmo em locais em que não somos amadas. Somos violentadas fisicamente e/ou emocionalmente. Somos vítimas mais uma vez. Mas vítimas que são culpabilizadas. Somos nós que não fizemos o suficiente. Nós quem não "seguramos" o homem adequadamente. Nós... nós.... sempre vítimas como algozes.
E o medo de sair pelas ruas sozinha é sempre amedrontador. Desde os comentários e olhares dos homens que parecem ter perdido uma parte deles em algum lugar escondido de nós, aos que se aproximam e cometem atos criminosos. Nos roubam de nós mesmas.
Além de sermos mulheres, ainda temos questões como a cor da nossa pele e nosso local de moradia. Se não bastasse ser do gênero feminino, se ainda formos negras e morarmos em periferia... não é fácil. Não é nada fácil.
A questão feminina é uma questão para todos e todas. Não é a respeito de ser ou não mulher. É sobre uma sociedade coercitiva que estimula os diversos tipos de violência contra nós mulheres. De diversas formas. De diversos tipos.
Se você é mulher te faço um pedido. Zele por seus pensamentos, pois eles viram comportamentos. Nossa sociedade já possui muitos e muitos homens machistas. Não precisamos de mulheres que também sejam machistas.
Sororidade diz mais a respeito ao mundo em que queremos habitar e dos espaços de poder que queremos conquistar, do que andar de mãos dadas proclamando a paz mundial, o que de fato é imprescindível dentro de um contexto prático e não do modo utópico que tem sido difundido.
Links de matérias a respeito desse conteúdo:
1. Violência contra a mulher no mundo
2. Feminicídio no Brasil
3. Machismo no Judiciário
4. Obstáculos que mulheres enfrentam ao denunciar
5- Mulheres ganham menos que homens
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